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CRÉDITO IMOBILIÁRIO AINDA ENFRENTA RISCOS

07.11.2011

Por Gustavo Loyola Neste momento em que o crédito imobiliário habitacional experimenta fase de grande crescimento, parece útil revisitar sua turbulenta história no Brasil, em busca de lições que evitem no futuro a frustração da esperança dos muitos que agora veem às suas portas a oportunidade de realizar o sonho de uma casa própria digna. Estruturado normativa e institucionalmente em meados dos anos 1960, o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) desempenharam bem suas funções durante cerca de quinze anos, período em que tornaram possível a aquisição de residência financiada por parcela relevante das famílias brasileiras. No início dos anos 1980, as instituições do SFH e do SBPE financiavam, em média, a compra de cerca de 600 mil imóveis anualmente. No entanto, em função da deterioração do ambiente econômico, da intervenção equivocada do governo nas relações contratuais e da elevação das incertezas jurídicas, pelas sucessivas e recorrentes interpretações do Judiciário contrárias aos direitos dos credores, ambos os sistemas rapidamente entraram em colapso, o que fez reduzir o número de unidades financiadas para pífios 30 mil por ano. Todo o edifício construído nas décadas dos anos 1960 e 1970 desmoronou e o financiamento habitacional tornou-se verdadeiro "abacaxi" para os agentes financeiros. Como consequência, o Brasil exibe até hoje uma baixíssima relação crédito imobiliário / PIB e um alto déficit habitacional. Não é excesso de otimismo prever que a relação crédito imobiliário e PIB passe dos atuais 4% para 12% A reversão dessa situação e a reconstrução do crédito imobiliário no Brasil foram um processo lento e penoso, viabilizado em primeiro lugar pela estabilização da economia a partir do Plano Real, de junho de 1994. Com a estabilização, diminuíram sobremaneira as incertezas sobre o futuro, viabilizando-se o crédito de longo prazo na economia. Além disso, registraram-se diversos avanços na legislação que rege os contratos imobiliários. A criação do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), a regulamentação da figura do "patrimônio de afetação" e da possibilidade da utilização da alienação fiduciária nas operações de financiamento imobiliário foram alguns desses importantes progressos obtidos na última década. Com efeito, diversos estudos acadêmicos realizados internacionalmente mostram, sem sombra de dúvida, que os países em que o crédito imobiliário é mais disseminado são justamente aqueles em que há estabilidade macroeconômica e sólida proteção dos direitos dos credores. Os contratos de financiamento imobiliário tipicamente preveem a entrega de recursos à vista ao mutuário, os quais retornam no futuro ao emprestador em prestações periódicas ao longo de período razoavelmente longo de tempo. Nesse contexto, os contratos da espécie somente podem existir na presença de um ambiente econômico e jurídico que propicie razoáveis garantias do cumprimento das obrigações contratuais por parte dos devedores. Em vista disso, havendo manutenção dos bons fundamentos macroeconômicos e da segurança jurídica necessária, não há porque duvidar que o futuro do crédito imobiliário no Brasil é muito promissor, considerando a existência de demanda reprimida por habitação. Daí não ser excesso de otimismo prever que, em três ou quatro anos, a relação crédito imobiliário e o PIB deve passar dos atuais 4% para algo em torno dos 12%, o que permitirá a redução do nosso histórico déficit habitacional. Ocorre que esse cenário otimista sofre ameaças pelo risco de repetição de erros cometidos no passado. Por exemplo, na esfera judicial, cabe menção o julgamento, ora em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), de recurso em que pode restar declarada a inconstitucionalidade do procedimento extrajudicial de cobrança e leilão de imóvel hipotecado a agente do SFH (Decreto-lei 70/1966). Tal ação representa uma séria ameaça, pois pode invalidar prática consagrada pelo uso, criando um vácuo que deve aumentar as incertezas dos agentes financeiros. A alegação de inconstitucionalidade, segundo consta, seria devida ao fato de o citado Decreto-lei impedir o acesso imediato do devedor ao Judiciário, o que, contudo, não parece ser a prática comumente observada. Ao contrário, o elevado estoque de ações judiciais relativas a financiamentos do SFH aparentemente não daria guarida à tese da dificuldade de acesso dos devedores ao Judiciário. Como economista, por óbvio, não me cabe discutir teses jurídicas. O que me causa alguma perplexidade, porém, é saber da existência da possibilidade de o STF entender que o SFH e o SBPE operaram por mais de vinte anos com um procedimento de cobrança inconstitucional. Nada me parece mais sinônimo de insegurança jurídica do que a incerteza em relação ao passado. Para o crédito imobiliário, este tipo de incerteza costuma ser fatal, como indica a acidentada história do SFH e do SBPE no Brasil. Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. Escreve mensalmente às segundas-feiras. gloyola@tendencias.com.br

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