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OPINIÃO: O ERRO DA REGULAMENTAÇÃO BANCÁRIA

05.07.2011

Imaginem que as discussões desencadeadas pelo desastre do Hindenberg se tratassem sobre os extintores e paraquedas que deveriam ser obrigatórios nos dirigíveis e não sobre os erros de projeto que podem provocar seu incêndio. Infelizmente, a natureza dos debates atuais sobre a reforma bancária é exatamente essa.
Reverter o gigantismo robótico dos bancos deveria ser a prioridade da reforma. Antigamente, os banqueiros supostamente conheciam cada captador de crédito e tomavam as decisões de empréstimos caso a caso. Hoje, os bancos usam modelos conjurados por distantes magos financeiros para produzir créditos e uma série de produtos derivativos em massa. A produção em massa favorece o crescimento de megabancos, portanto, ao contrário do que julgavam as autoridades de crédito, os modelos defeituosos desses colossos tiveram consequências desastrosas.
Propostas radicais que teriam ajudado a restaurar um sistema mais resiliente, apresentadas por nomes como o presidente do Banco da Inglaterra, Mervyn King, foram sufocadas por discussões ruidosas de medidas que nada fazem para resolver as falhas fundamentais dos bancos modernos.
Vejamos o debate acalorado sobre quanto capital os bancos deveriam ter. As autoridades reguladoras propuseram aumentos acentuados: um estudo do Banco da Inglaterra, por exemplo, sugeriu triplicar as exigências.
Os banqueiros, que na realidade podem estar preocupados com as próprias bonificações, advertem que maiores exigências de capital os obrigarão a restringir a concessão de créditos, o que inibiria o crescimento econômico. Na verdade, tudo isso é uma farsa sem sentido.
Como os acionistas e investidores ativos não podem obrigar uma maior racionalização, os governos precisam exigir que os bancos se livrem de atividades que ninguém pode administrar ou regulamentar e voltem a avaliar os empréstimos caso a caso.
Sim, o princípio de regulamentar o capital bancário parece sensato. Captar empréstimos aumenta o risco de qualquer empresa: não se pode falir, se não houver endividamento. Altas captações também encorajam donos e administradores a arriscar tudo, porque são os credores os que arcam com a maior parte do risco. Os credores prudentes, portanto, tentam limitar o nível que uma empresa pode captar e os outros riscos que pode assumir.
Os credores, no entanto, não têm incentivos para impor limites rigorosos aos bancos. Como corridas aos bancos podem desencadear problemas generalizados, os governos garantem explicitamente os depósitos com seguros e implicitamente as outras dívidas dos megabancos. Os governos que garantem o passivo bancário, no entanto, também precisam exigir que os banqueiros sejam mais prudentes do que seriam por conta própria.
Porém, concentrar-se principalmente em quanto os bancos captam e esquecer outras imprudências mais graves é uma má aposta de regulamentação.
A regulamentação dos bancos, assim como os empréstimos, eram descentralizados e baseados em avaliações. Os reguladores baseavam-se principalmente na avaliação de créditos individuais, em vez de quocientes de capital em relação aos ativos.
As autoridades reguladoras, então, passaram a exigir que os bancos tivessem uma reserva de capital específica, forte o suficiente para cobrir possíveis perdas. A abordagem pressupõe que os ativos e a exposição dos bancos podem ser calculados de forma precisa. Na verdade, no entanto, os balanços financeiros dos megabancos são obras de ficção impenetráveis ou meras ilusões.
O problema vai além da obscuridade proposital. JP Morgan e Deutsche Bank pagaram quantias substanciais em troca do fim de várias acusações, desde execuções imobiliárias ilegais ao encorajamento de sonegação fiscal. Descartar a conivência dos altos executivos levanta uma questão alarmante: Será que Jamie Dimon, o conceituado executivo-chefe do JP Morgan, tem tão pouco domínio sobre a exposição representada pelos quase US$ 80 bilhões em derivativos nos livros do banco quanto Tony Hayward, o desafortunado ex-executivo-chefe da BP, tinha dos riscos da malfadada plataforma da empresa no Golfo do México?
Encorajar os bancos a transformar os créditos em seu balanço em valores mobiliários também reduziu o nível geral de cautela na concessão de créditos. Além disso, as estratégias para driblar as regras da Basileia tornaram os bancos mais complexos e difíceis de administrar e supervisionar.
Exigências de capital mais inteligentes - regras da Basileia, do Banco para Compensações Internacionais (BIS) melhores - não são a resposta. É essencial uma uniformidade rígida, de cima para baixo, na especificação de pesos e medidas e na emissão de moeda. A regulamentação e os empréstimos bancários, em contraste, precisam incorporar o conhecimento local, porque em uma economia dinâmica e não organizada, cada captador, empréstimo e banco é diferente (embora certas diretrizes gerais possam ser de ajuda).
A abordagem de cima para baixo, aparentemente objetiva, ignora a natureza idiossincrática do risco e presume que todos os créditos hipotecários são iguais.
Não podemos mais nos dar o luxo de depender de avaliações antiquadas de megabancos carregados com riscos produzidos em massa. E como o os acionistas e investidores ativos não podem obrigar uma maior racionalização, os governos precisam exigir que os bancos se livrem de atividades que ninguém pode administrar ou regulamentar e voltem a avaliar os empréstimos caso a caso. Com grandes lucros e bonificações em jogo, os megabancos não abandonarão voluntariamente seus negócios baseados em modelos; mas, a não ser que isso ocorra, colocar nossa maior aposta em regras de cima para baixo será uma tolice.
Amar Bhidé é professor da Fletcher School of Law, na Tufts University, e autor de "A Call for Judgement" (em defesa de discernimento, em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2011.

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