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FEBRE DOS SELOS

25.04.2011

O impulso aconteceu quando o escritor português José Saramago exigiu a impressão de sua obra "As Intermitências da Morte" com papel obtido comprovadamente sem danos ao meio ambiente. Não foi um capricho inconsequente do autor. A medida, anunciada há seis anos, repercutiu. Em pouco tempo a Sadia mudou a política de compras para adotar o "carimbo" socioambiental nas caixas de pizza e outros alimentos congelados. A empresa seguiu o rastro da Klabin, que já obtivera o certificado de práticas sustentáveis para suas florestas de eucalipto e, em seguida, para sua fábrica de papel-cartão, puxando toda uma cadeia de clientes que também apostaram nas vantagens de comprovar a origem da matéria-prima.

 

"É uma garantia que gera credibilidade", argumenta Fernando von Zuben, diretor de meio ambiente da Tetra Pak, empresa que no ano passado produziu 5 bilhões de caixas de suco e leite estampando a arvorezinha do Forest Stewarship Council (FSC) - selo conferido internacionalmente para diferenciar produtos de base florestal originados a partir de critérios ambientais e sociais.

O cenário reflete a profusão de selos verdes que chegam ao mercado em tempos de crescimento econômico, como ferramenta para a conquista de espaços e melhores preços. Dos eletrodomésticos e cosméticos ao cafezinho da rotina diária, cresce a variedade de produtos alvo de certificações. E aumenta em igual proporção o desafio dos compradores para entendê-las. "O instrumento já se tornou um requisito de mercado e precisamos nos adequar às regras sem a perspectiva imediata de sobrepreço", avalia Fábio Arruda, diretor da Associação Brasileira da Indústria Gráfica.

No total 400 empresas, 20% do setor, estão certificadas. "Clientes de grande porte vão além, e exigem o emprego de tintas à base de insumos renováveis, como soja", revela. As pressões, segundo ele, forçam mudanças de gestão. Um dos caminhos é ampliar o portfólio de selos. "Passamos a oferecer no Brasil as três certificações adotadas globalmente pela corporação", anuncia Amilton Garrau, diretor da RR Donnelley, indústria gráfica americana com unidades em Osasco (SP), Barueri (SP) e Blumenau (SC).

Os selos se diferenciam pela abrangência, rigor e, principalmente, prestígio no mercado. Embutem conceitos que adicionam valor a marcas e produtos, mas também contribuem com práticas que subsidiam políticas públicas. No setor florestal, a certificação internacional FSC, que é independente, diferencia atualmente a cadeia produtiva de 744 empresas no Brasil, com crescimento de 50% em 2010. Já o selo Cerflor corresponde ao sistema de normas oficial do país e está integrado globalmente ao Programme for the Endorsement of Forest Certification Schemes, guarda-chuva dos diferentes modelos nacionais. Ao todo 31 empresas brasileiras têm o carimbo.

"É uma demanda da indústria como proteção na concorrência com produtos importados que não seguem critérios ambientais na origem", afirma Marcos Borges, do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). Em outros casos, diz ele, "o interesse é tornar produtos nacionais mais competitivos lá fora".

Etiquetas com cores que classificam em cinco categorias a eficiência energética de eletrodomésticos tornaram-se populares. "São usadas como referência de compra por mais de 70% dos consumidores", revela Borges, coordenador do Programa Brasileiro de Etiquetagem, lembrando que o selo proporciona uma corrida tecnológica com reflexo na conservação ambiental.

Refrigeradores atuais consomem 60% menos energia que dez anos atrás, representando uma economia acumulada de R$ 6 bilhões. Luzes stand-by de aparelhos eletrônicos reduziram o uso energético cinco vezes. "Em duas décadas de programa, a energia economizada equivale à geração da usina nuclear de Angra I, durante 40 meses, em potência máxima", ilustra Borges.

A etiqueta abrange 36 linhas de produtos, como lâmpadas, ventiladores e até sistema solar para aquecimento de água. No setor automobilístico, o controle implicou melhorias tecnológicas com redução de 3% no consumo de combustível. Participam 73 modelos de veículos de seis montadoras, o que corresponde a mais da metade do volume de vendas no mercado nacional.

O plano é integrar o selo de consumo energético ao aplicado pelo Ibama nos automóveis para classificar a emissão de poluentes. "Com a estabilização da moeda, o brasileiro passou a avaliar não somente o preço, como também o custo da manutenção dos produtos ao longo da vida útil", explica Borges. "A meta nacional é reduzir 10% o consumo mediante ações de eficiência energética, até 2030."

Além da classificação do Inmetro, produtos que se destacam entre os mais eficientes são premiados pelo selo voluntário do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel). "Entre 2009 e 2010, o consumo dos aparelhos diminuiu 13%, economia suficiente para abastecer com energia 3,3 milhões de residências durante um ano", informa Emerson Salvador, coordenador do programa.

Novos selos estão por vir, inclusive para comprovar a eficiência de torneiras e válvulas no consumo de água. Certificados verdes invadem o mercado superaquecido da construção civil, impondo práticas para o uso racional de recursos naturais e diminuição de resíduos levados para aterros. Para seguir as regras e receber o emblema, a obra tem custo 5% mais alto.

"Em contrapartida, com o diferencial, o empreendimento pode ter valorização de 10% a 20% no preço de revenda", argumenta Marcos Casado, gerente no Brasil da certificação Leed, existente em 127 países. Entre centenas de construções atualmente em processo de certificação no país estão cinco dos 12 estádios de futebol que terão jogos da Copa do Mundo de 2014.

"Selos em excesso, alguns duvidosos, são uma caixa-preta", adverte Adriana Charoux, do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC). Os abusos, segundo ela, podem confundir o consumidor, "que é influenciado por selos, mas ainda não sabemos exatamente o quanto". Ela lamenta não haver uma legislação específica para a questão e completa: "Às vezes o apelo é verde, mas a zona é cinzenta". Em sua opinião, "os selos devem estar lastreados por evidências que comprovam o que dizem".

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