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EUROPEUS DISCUTEM DIREITO AO BARULHO

22.04.2013

O insuportável barulho de crianças ou a histórica intolerância da sociedade europeia diante da infância? Na ordenada Suíça, barulho é quase crime, mesmo que venha de crianças. O tema agora ganhou dimensão política ao ser debatido em toda a Europa, obrigando especialistas e associações de vizinhos a reabrir o debate sobre o papel da criança na sociedade.

No ano passado, um tribunal da cidade suíça de Wädenswil ordenou que um campo de futebol fosse fechado nos fins de semana com cadeados para impedir que as crianças jogassem bola. Motivo: os vizinhos alegavam que o barulho acabava com a tranquilidade do bairro. A decisão se transformou em uma polêmica nacional e os cidadãos devem ir às urnas para se posicionarem sobre o assunto. De um lado, há os que se queixam do barulho feito em creches e parques. De outro, associações apelam para o "direito de fazer barulho" das crianças.

A discussão na realidade ganhou força depois que, na Alemanha, o governo decidiu em 2011 modificar de forma dramática as leis nacionais. Até então, sinos de Igrejas, tratores para limpar a neve e sirenes estavam fora das regras contra poluição sonora, mas o barulho de crianças levava até ao fechamento de creches, diante da quantidade de queixas registradas.

Berlim foi a primeira cidade a mudar a lei, em 2010. Jardins de infância e parquinhos foram isentados das regras de ruído. Mas, nas residências, crianças teriam de continuar a respeitar horários, além de evitar barulho aos domingos. Em 2011, a lei nacional também foi adaptada. "Estamos dando um sinal legislativo para uma sociedade que quer crianças", disse na época o ministro do Meio Ambiente, Norbert Röttgen.

Agora, é a vez de o debate tomar conta da vida em comunidade na Suíça. Na entidade Okaj, de Zurique, a constatação é de que, nos últimos anos, a intolerância atingiu níveis insuportáveis contra as crianças. "Locais públicos precisam ser locais de educação", disse Ivica Petrusic, diretor da entidade que se ocupa da juventude na cidade. "O que ocorre em locais e espaços como parquinhos e creches é fundamental para o desenvolvimento dessas crianças."

Cidades como Kehrsatz, Interlaken, Zurzach e Biel são algumas das localidades suíças que adotam a lei do toque de recolher para menores de 16 anos.

Na cidade de Dübendorf, a prefeitura constatou que a abertura de novos espaços de diversão para as crianças se tornou quase impossível diante das queixas. Um dos vereadores locais convenceu a prefeitura a comprar um ônibus sem bancos, para ser usado como local de lazer. O debate chegou aos políticos suíços e os deputados do Parlamento de Zurique Philipp Kutter e Johannes Zollinger apresentaram um requerimento ao governo questionando se o direito de as crianças brincarem estava sendo adequadamente protegido. "Parques estão sendo fechados, decisões judiciais estão fechando campos de futebol", alertaram.

Uma proposta que está sendo avaliada é a de que só casos extremos possam ser recebidos pelos tribunais. Hoje, moradores podem acionar a Justiça se considerarem que o barulho está incomodando, e os incidentes são avaliados caso a caso.

Para o sociólogo François Hoepflinger, há uma contradição evidente. Poucas vezes na história as crianças receberam tratamento tão privilegiado como nas sociedades europeias atuais. Ao mesmo tempo, afirma, a tolerância nessas sociedades em relação às crianças está em seu ponto mais baixo.

Residências. No Brasil, o barulho das crianças também incomoda. Mas, por aqui, o problema não são os parques públicos, e sim a crescente transformação de imóveis residenciais em escolas: de olho em uma demanda crescente da classe média por colégios particulares nos seus bairros, donos de escolas alugam casas e as adaptam.

"As pessoas se irritam quando tem ensaio de fanfarra ou coisa assim. Todos sabem que não tem como fechar a boca de uma criança", diz o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo, Benjamin Ribeiro da Silva.

Segundo o Psiu, setor da Prefeitura de São Paulo de combate à poluição sonora, as reclamações de ruído escolar não somam 1% do total recebido (o órgão não tem o número exato de denúncias). Os principais vilões são os bares.

Mas um caso recente, em Porto Alegre, destoa. Em 2008, o clube Grêmio Náutico União transferiu sua escola infantil do clube para uma casa ao lado da que mora a escritora Cintia Moscovich. "De uma hora para outra, havia um barulho ininterrupto das 9 às 18 horas", conta a escritora.

Cintia, que havia saído do emprego para se dedicar aos estudos em casa, diz que tentou um acordo. "Falei com a diretora, mas ela me disse que as crianças tinham direito a fazer barulho e, caso eu quisesse, que vendesse a minha casa para o clube." Ela entrou na Justiça e ganhou em primeira instância. O clube recorreu, mas uma perícia mostrou que o barulho chegava a 82 decibéis, o equivalente a uma serra elétrica ligada.

Desde então, a recreação foi transferida para o interior do clube. A diretoria diz que perdeu um terço dos seus 90 alunos num ato em que o direito coletivo não foi privilegiado. "A escola tem alvará. Com essa decisão judicial, o direito de um se sobrepôs ao da coletividade", diz Myron Moraes, superintendente do clube. Cintia diz que vivia ali antes da chegada da "escola improvisada, sem espaço e estrutura adequada de funcionamento". "Só lutei pelo meu direito", alega a escritora.

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