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PEDREIRAS CONSTROEM O FUTURO COM TIJOLO E CIMENTO

07.03.2012

Na obra, o peão é peoa, e o Pedro Pedreiro, personagem de Chico Buarque, é Marlene Pedreira, Dayane Pedreira e Priscila Pedreira Ainda com condições desiguais de trabalho em relação aos homens, as mulheres estão começando a ganhar espaço em funções predominantemente masculinas, como é o caso da construção civil. De acordo com pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) feita mensalmente nas regiões metropolitanas do País, em 2011 havia na Região Metropolitana de São Paulo 106 mulheres trabalhando com certeira assinada como pedreiras. Se depender de São Bernardo, que em 2010 formou quase 200 pedreiras e pintoras por meio do programa federal Mulheres Construindo Autonomia, os números mais que dobrarão este ano. De acordo com a coordenadora do projeto na diretoria de Mulheres da Prefeitura, Dulce Xavier, a ideia é capacitar mulheres em um mercado em franca expansão, e também provocar o debate sobre a capacidade que a mulher tem de exercer funções que até então a sociedade, de um modo geral, entende que apenas um homem é capaz de exercer. O trabalho começa onde não há nada. A empresa traz tijolo, cimento, pá, cal, tinta. Com força e habilidade de delicadas mãos, as paredes vão subindo, e pouco a pouco ganham a forma de salas, salões, pátios. Na obra do CEU (Centro Educacional Unificado) Vila São Pedro, o peão é peoa; e o Pedro Pedreiro, personagem da música de Chico Buarque, é Marlene Pedreira, Dayane Pedreira, Priscila Pedreira, e outras tantas. Da terra de lampião Conterrânea de Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião, rei do cangaço, a servente Marlene do Amaral, 54 anos, é nascida em Serra Talhada, Pernambuco, e de lá trouxe, além do sonoro sotaque, a imensa capacidade de superação. Em 2003, a retirante foi parar na rua com os sete filhos depois de perder tudo o que tinha com uma enchente. Da rua Marlene foi morar no alojamento José Fornari, no Jardim Silvina, que em 2008 pegou fogo e foi parcialmente desativado. Na época, Marlene era cozinheira. A aptidão pelos serviços na construção civil surgiu pintando a parede do vizinho, arrumando os azulejos da casa do filho. Quando apareceu a oportunidade de ter formação técnica que a habilitaria para trabalhar em obras, a pernambucana não pensou duas vezes. Uma das filhas achou estranho e pediu para a mãe reavaliar a decisão, por entender que era um serviço muito pesado. Já o filho caçula, que também é pedreiro, deu apoio, e até divide com a mãe a colher de pedreiro comprada para o curso. “No jantar fica eu mais ele falando de parede, pilastra, acabamento. A gente se entende muito bem nisso.” Casa propria Ainda este ano, Marlene irá receber da prefeitura um apartamento no conjunto Três Marias, no mesmo local onde ficava o alojamento José Fornari. Ela vai fazer o acabamento da casa, a primeira que terá em seu nome em 54 anos. Marlene afirma que não sofre preconceito pela profissão, e que nunca foi tão respeitada. “Fui no banco buscar meu primeiro pagamento com o uniforme, cheio de cimento e tinta. O banco inteiro ficou me olhando. Eu fiquei um pouco ressabiada, mas o pessoal começou a chegar até mim e perguntar se eu podia ir na casa deles fazer um conserto, e eu digo sim, posso sim. Vi que eles estavam era gostando”, conta Marlene, que já tem em vista outras obras para trabalhar. Dayane e Priscila integram a ‘República das Pedreiras’ no CEU São Pedro Dayane Monte do Nascimento, 28 anos, e Priscila Martins Florêncio Nascimento, 34 anos, são, além de colegas de trabalho, colegas de apartamento. As duas dividem a casa no Jardim Silvina, vão e voltam para a obra juntas, e conversam muito sobre o que fazem. Dayane, a mais desinibida, aprendeu as primeiras lições em construção com o padrasto, e afirma que não troca a obra para ficar atrás de um balcão atendendo clientes, sua antiga profissão. “Meu sonho é me aposentar como mestre de obras”, afirma. Na família, a moça recebeu resistência apenas da mãe, que achava que era “serviço de homem”. O irmão, que gostaria de entrar para o ramo, vê Dayane como um modelo a ser seguido. Sogra e namorado têm, de acordo com a servente, o maior orgulho. Na obra ela afirma, assim como as demais pedreiras, que são muito respeitadas, que os pedreiros tratam todos iguais e que a relação é de coleguismo e muito profissionalismo. História diferente Já com Priscila a história foi um pouco diferente. O apoio para encarar o desafio de entrar em um mercado de trabalho predominantemente masculino não veio com facilidade da família nem dos amigos. “Uma vizinha estava para trocar o piso e me pediu para olhar a casa e fazer o orçamento. Quando eu fui levar o projetinho, o marido, que eu conheço há bastante tempo e sempre foi amigo do bairro, me disse para não ir porque ele achava que eu não daria conta. Esse tipo de preconceito existe. Não que as pessoas achem que a gente não deva ser pedreira, mas acham que somos desqualificadas”, conta Priscila.

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