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JURO NEUTRO NO BRASIL NO PASSADO E NO FUTURO

06.11.2012

Em paper divulgado em outubro, dois economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) estimaram as taxas de juros neutras para vários países da América Latina. No caso do Brasil, os autores estimaram um juro de equilíbrio entre 4,5% e 5,7% ao ano, com um ponto médio de 5,1% - algo abaixo da estimativa de consenso de 5,5% indicada pelo levantamento feito pelo Banco Central (BC) em fevereiro deste ano junto a cerca de 60 analistas. Chama atenção a discrepância entre o juro neutro brasileiro e aquele estimado para os demais países latino-americanos (entre 2%, caso de Chile, Peru, Colômbia, México e Paraguai, e quase 4%, caso do Uruguai). Tanto é que os autores criaram um box especial no trabalho para levantar as eventuais razões por detrás dessa idiossincrasia da economia brasileira. Embora muitas hipóteses sejam apontadas para explicar essa disparidade, os próprios economistas do FMI apontam que a evidência empírica não corrobora algumas delas. As hipóteses mais "promissoras" são aquelas relacionadas à indexação financeira, aos mecanismos de direcionamento de crédito e à sistemática de remuneração da caderneta de poupança - fatores que reduzem a eficácia da política monetária. Não obstante, embora esses fatores sejam importantes para explicar o passado, é importante notar que eles vêm sofrendo alterações importantes nos últimos trimestres, o que significa dizer que o juro neutro no futuro pode ser inferior a esses 5,1%. O governo alterou, recentemente, a regra de remuneração da caderneta de poupança, o que abriu espaço para que a Selic pudesse cair para menos de 8% sem gerar desequilíbrios no financiamento da dívida pública. O Tesouro Nacional vem atuando ativamente para mudar a composição da dívida pública brasileira, com aumento da participação de papéis prefixados e indexados à inflação e também do duration. No caso do crédito direcionado, sua participação no total do crédito recuava até 2008 e, em função do esforço anticíclico durante a crise financeira e do aumento da participação do investimento no Produto Interno Bruto (PIB), sua participação voltou a subir nos anos seguintes. Mas a correlação do custo do dinheiro no mercado de crédito (já considerando um cálculo alternativo ao do BC, englobando adicionalmente o crédito direcionado) e a Selic elevou-se nos últimos meses e está em linha com a correlação média histórica. Com efeito, a despeito do aumento da fatia do crédito direcionado, a eficácia da política de juros determinada pelo BC não diminuiu e está em linha com a média histórica. Isso se explica pelo fato de que a redução do juro básico e, consequentemente, dos juros no mercado de crédito com recursos livres, foi bem mais acentuada do que a redução da TJLP e do juro para empréstimos rurais, o que gerou uma maior convergência entre o nível das taxas praticadas nessas duas modalidades de crédito. Ademais, é importante lembrar que, a partir de 2013, entrará em vigor, no Brasil e em outros países, as novas exigências de quantidade e qualidade de capital no âmbito de Basileia 3 - com destaque para a introdução, a partir de 2014, do colchão anticíclico de capital principal dos bancos. Estimativas da OCDE apontam que Basileia 3 deverá significar uma redução do juro neutro da ordem de 30 a 80 pontos-base nos países-membros. No Brasil esse efeito deverá ser maior, uma vez que os bancos não poderão mais contabilizar como capital principal os créditos tributários e aqui eles representam cerca de 34% do patrimônio líquido das instituições financeiras, contra 16% a 17% nos bancos americanos, europeus e asiáticos. E esse é apenas o efeito do primeiro pilar (capital) de Basileia 3. As regras permeando os demais pilares - liquidez e tratamento diferenciado das instituições sistemicamente importantes (tanto globais como locais) - ainda estão sendo discutidas e deverão ser implementadas ao longo da segunda metade desta década. De fato, os analistas já incorporam boa parte desses efeitos nas projeções para os próximos anos da taxa de juros neutra brasileira. Embora apresentando ciclos, a taxa de juros nominal média projetada para os próximos quatro anos é de 8,5%, contra uma inflação média de 5,2%, o que resulta em um juro real médio de cerca de 3%. Um juro real nas cercanias de 3% traz muitos benefícios para a economia brasileira, sobretudo na forma de alívio sobre as finanças públicas. Supondo um crescimento do PIB de 4% (em linha com as projeções de consenso e com as estimativas de PIB potencial do FMI), um juro real de 3% significaria que o superávit primário do setor público consolidado poderia até mesmo cair para perto de zero, em porcentagem do PIB (contra os 3% obtidos no passado recente), sem comprometer a sustentabilidade da dívida pública. Essa menor necessidade de geração de superávits cria uma "folga fiscal" que pode ser direcionada tanto para aumentar o investimento público como para reduzir a carga tributária, trazendo mais competitividade e alívio de custos na economia. O governo percebeu isso e já está atuando nessa direção - vide as autorizações para 21 Estados reduzirem seu primário para investir em infraestrutura e as desonerações da folha de pagamentos e da energia elétrica, que deverão ser ampliadas nos próximos trimestres. Isso, aliás, traz um desafio técnico importante para os modelos de projeção de inflação: uma diminuição do superávit primário gerada pela redução da carga tributária sobre a produção pode ter efeitos bem distintos sobre a inflação comparativamente a uma redução do primário gerada por um aumento de despesas e/ou redução de impostos sobre o consumo. Por conta dessa perspectiva de juros reais civilizados, sou relativamente mais otimista no que toca ao crescimento do PIB brasileiro no futuro próximo: acho que poderemos manter um ritmo médio de expansão na faixa de 4% a 4,5% com inflação em torno de 5%, mesmo com um desempenho apenas morno das economias centrais e com a China desacelerando para um ritmo de alta de 6% a 7% até o final da década.

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