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CANTO DA SEREIA

25.02.2011

Após cinco anos trabalhando numa empresa de telefonia, Laudejor Coutinho foi demitido e colocou os R$ 182,5 mil que recebeu num investimento que parecia para lá de interessante. Ele teria o capital protegido, receberia mensalmente a variação do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI, referencial para as aplicações mais conservadoras) e, de quebra, teria uma bonificação conforme o desempenho das aplicações. Tudo isso e mais liquidez diária. O objetivo dele era multiplicar o dinheiro para pagar o tratamento de saúde do filho. Mas o que parecia ser uma oportunidade de ouro mostrou-se um canto de sereia.

 

A exemplo de outros casos, como Boi Gordo, Avestruz Master, Agente BR e Firv, que prometiam ganhos astronômicos e quebraram, Coutinho e pelo menos outras 550 pessoas ficaram sem ver a cor do dinheiro, num rombo estimado em R$ 23,8 milhões. Muitos aplicaram todas as suas economias, outros fizeram dívidas para investir e agora vários estariam passando por dificuldades financeiras. Eles aplicaram na Dinero Consultoria, que oferecia contratos de mútuo para aplicação em projetos. A empresa parou de pagar os resgates em setembro do ano passado e, desde novembro, o sócio majoritário da empresa, Wagner de Aguiar Moraes, simplesmente desapareceu.

Os investidores tentaram contato com Moraes de todas as formas, sem sucesso. O escritório da Dinero, na Avenida Paulista, foi fechado sem avisar os investidores, o telefone foi desligado e o site da instituição saiu do ar por falta de pagamento ao provedor.

Agora, os investidores procuram desesperados por formas de recuperar o dinheiro ou obter justiça. Coutinho e pelo menos outros 30 companheiros de infortúnio procuraram delegacias e prestaram queixa contra a Dinero e Moraes. Outro grupo entrou com ações civis no Fórum João Mendes, em São Paulo. Mas ainda não há nenhum resultado prático, além de inquéritos na Polícia Civil.

A Polícia Federal também instaurou um inquérito a pedido do Ministério Público de São Paulo. Apesar do sigilo, o Valor apurou junto a alguns investidores que as aplicações corrigidas equivaleriam a R$ 36,5 milhões.

Vários investidores têm procurado sistematicamente o Valor para relatar seus dramas. Há casos também de investidores que colocaram recursos provenientes de herança. A aplicação, segundo eles, nunca dava prejuízo e a rentabilidade sempre ficava acima de 4% ao mês. Em alguns momentos, o investimento teria chegado a render até a 7%. Existem vários casos de clientes que também indicaram a empresa para seus familiares. Um investidor chegou a chorar ao relatar que havia indicado a aplicação para vários familiares.

A suposta aplicação funcionava da seguinte forma: o cliente emprestava recursos para a Dinero que, em seguida, investia em outras pequenas companhias. O cliente assinava um contrato de mútuo, ou seja, de empréstimo, que era remunerado a uma taxa equivalente a 100% da variação do CDI mais bonificação, de acordo com os resultados do investimento nas empresas.

Mas essa história começou bem antes. O fundador da Dinero, Moraes, era executivo de uma empresa de telefonia quando começou a fazer alguns investimentos em bolsa e, segundo contam os colegas, gabava-se de obter grandes lucros. O sucesso levou-o a operar para alguns colegas de trabalho, que transferiam o dinheiro direto para a conta corrente de Moraes. Pouco tempo depois, ele já mantinha uma legião de aplicadores.

Foi quando ele teria resolvido montar dois clubes de investimento, batizados de Axt BV e Axt MF, com direito a site na internet para informar os investidores sobre o desempenho das aplicações. E chamou o irmão, Alexandre de Aguiar Moraes, e dois colegas de trabalho, Wanderley Dias Bertolucci e Marcelo Costa Rocha, para ajudar.

Os pretensos clubes, no entanto, não possuíam registro na Bovespa e ninguém era autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a fazer gestão de recursos. Tanto que, em 14 de abril de 2009, a CVM encaminhou aviso ao mercado alertando que Moraes e seus colegas estavam oferecendo cotas de clubes de maneira irregular.

Os clubes, então, foram fechados, mas meses depois, em outubro daquele ano, ele criou a Dinero Consultoria. E o dinheiro foi transferido da conta de Moraes para a da nova empresa.

Em julho do ano passado, alertado por um gestor de recursos, o Valor fez uma reportagem mostrando que a Dinero, ao utilizar a estrutura de contratos de mútuo, estaria atuando como uma instituição financeira e, para tal, precisaria de registro no Banco Central (BC). A repórter visitou o escritório como uma investidora interessada em aplicar e constatou a irregularidade. Foi quando a estrutura começou a ruir.

Após a reportagem, muitos investidores pediram resgate. E os pagamentos, que antes eram feitos imediatamente, começaram a atrasar. Bertolucci, que tinha 1% da Dinero, deixou a consultoria em agosto do ano passado. Naquela época, Moraes encaminhou comunicado aos clientes dizendo que estava com "problemas de caráter transitório". Em agosto, ele teria mostrado um extrato a investidores de uma corretora dos Estados Unidos, com um saldo de US$ 14 milhões. Moraes alegava estar com dificuldades de trazer o dinheiro para o Brasil.

Na esfera civil, já existem pelo menos 31 processos contra a Dinero. Coutinho, que ficou sem conseguir o tratamento de saúde nos Estados Unidos para o filho, reclama, no entanto, da morosidade da justiça. "A ação por parte da polícia não está sendo tão severa tendo em vista que até o presente momento não conseguiram localizar o Wagner nem sequer pediram a prisão dele", diz.

Outra vítima conta que os investidores estão se unindo para ir a delegacias, Ministério Público e Polícia Federal. "Muitos estão desesperados, são economias de vidas inteiras", afirma. "Não seria o caso para que o Ministério Público ou PF pedirem a quebra do sigilo bancário do Wagner?", questiona, lembrando que, em Minas, um caso semelhante levou à prisão do responsável após alguns meses.

Procurada, a Polícia Federal informou por meio de sua assessoria que foi instaurado um "inquérito policial em outubro de 2010 e várias providências foram tomadas desde então." Sobre a reclamação de morosidade, a nota diz que "cada caso tem suas características próprias e não podem servir de elemento de comparação." A nota afirma ainda que a investigação é sigilosa e nenhum dado pode ser informado.

Já a CVM informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que há uma investigação em curso, que corre sob sigilo.

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