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POR QUE TAXA DE JUROS TÃO ALTA E UM CRESCIMENTO TÃO BAIXO?

01.09.2011

Em comparação com os países emergentes o Brasil apresentou avanços significativos nos fundamentos econômicos e institucionais ao longo dos últimos anos. A razão dívida/PIB mantêm-se em um patamar equilibrado, a política monetária é austera, Banco Central (BC) independente, risco país baixo, e instituições políticas estáveis. Entretanto, o Brasil teve uma taxa de crescimento econômico abaixo da média dos países emergentes ao longo da última década, e tem uma taxa de juros reais persistentemente das mais altas neste grupo. A pergunta que surge naturalmente é: como um país com fundamentos melhores que os demais do mesmo patamar de desenvolvimento mantem uma taxa de juros tão alta e um crescimento tão baixo? O que pode explicar essa aparente contradição?

Não faltam ideias e teorias que surgem quase que semanalmente para explicar os juros altos e o baixo crescimento do Brasil. A maioria não é convincente uma vez que se baseia em fatores que afetam a transição da economia apenas no curto prazo, como elevada reação do BC à inflação, ou elevada persistência dos juros. Dado que esse fenômeno é verificado na economia brasileira há muitos anos, a resposta deve estar em aspectos que determinam a taxa de juros e o crescimento de equilíbrio de longo prazo.

No equilíbrio de longo prazo a taxa de juros, a poupança, e o crescimento são determinados por uma relação simples entre o retorno do investimento e a impaciência dos agentes. Para estarem dispostos a abrirem mão de consumir hoje para poupar, os agentes econômicos devem ser remunerados a uma taxa de juros suficientemente grande para compensar a sua impaciência para consumir. Assim, quanto maior o retorno marginal do capital, que se reflete na taxa de juros, ou menor a impaciência dos agentes, maior será a poupança e o crescimento.

A carga tributária é a arqui-inimiga da economia. A baixa competição no crédito exacerba essa condição

No Brasil, pelo menos dois fatores distorcem essa relação. O primeiro, e principal, é a carga tributária. A carga tributária brasileira assume valores maiores que 30% do Produto Interno Bruto (PIB) há mais de dez anos, hoje é de cerca de 38%. Na Argentina é cerca de 22%; na África do Sul, 26%; na Colômbia 23%; Chile, 17%; Peru, 15%; e México, 10%. Se existe algo em que a macroeconomia brasileira se distingue das demais economias emergentes é no tamanho da sua carga tributária.

Com uma elevada carga tributária, o retorno líquido do investimento é muito pequeno mesmo quando a economia é muito produtiva. Isso significa que o retorno marginal do capital tem de compensar não apenas a impaciência dos agentes, mas também a perda de adequação do investimento decorrente da elevada carga tributária. A taxa de juros alta reflete assim uma situação onde o retorno marginal do capital permanece alto o bastante para compensar a tributação.

Essa relação também nos ajuda a explicar a baixa poupança e o baixo crescimento econômico. Uma tributação que distorce implica em dois efeitos perversos sobre a economia no longo prazo. O primeiro e mais simples é de diminuir o nível de produto de equilíbrio, pois um nível maior de tributação implica em um nível menor de poupança e de estoque de capital de equilíbrio. Diversos estudos demonstram que uma parcela significativa da diferença de renda per capita entre países no mundo pode ser explicada por distorções na tributação. Assim, uma diminuição da carga tributária implicaria em um aumento do produto, levando a economia a um novo nível de equilíbrio de longo prazo.

O segundo efeito seria de diminuir o impacto de choques no produto marginal do capital sobre a poupança e, logo, sobre o crescimento econômico. Políticas para aumentar o crescimento de longo prazo, como maiores investimentos em educação ou em infraestrutura, por exemplo, ao aumentar a produtividade da economia, implicam em aumentos no produto marginal do capital e, logo, na poupança, e no crescimento. Porém, no caso brasileiro, a alta tributação diminui o impacto sobre a poupança, uma vez que o seu retorno é apropriado apenas em parte. Isso significa que nenhuma política que vise aumentar o crescimento terá sucesso enquanto tivermos uma carga tributária tão alta.

Há algumas economias, como países escandinavos, com carga tributária elevada, mas com juros mais baixos e crescimento sustentável. Porém, nunca é demais lembrar que no Brasil a tributação elevada não se traduz em gastos públicos que aumentam suficientemente a produtividade da economia, e, por consequência, o produto marginal do capital, de forma que o impacto final sobre o crescimento é negativo. Assim, além de diminuir a tributação, seria necessário tornar os gastos públicos mais produtivos, tanto na sua alocação quanto na eficiência.

O segundo fator que distorce a relação que determina a taxa de juros de equilíbrio de longo prazo é a baixa competição no mercado de crédito. Recentemente uma tese de doutorado na Escola de Economia de São Paulo da FGV defendida por Marcelo Ranieri, orientado pelos professores Paulo Furquim e Klênio Barbosa, estima que a competição no mercado de crédito bancário brasileiro é baixa e está diminuindo. Esse estudo demonstra que, quando se calcula a competição a partir de conglomerados financeiros ao invés de unidades bancárias, como é feito usualmente, é demonstrada a baixa competição e alta concentração, ao contrário do que se alcançava em estudos anteriores.

A existência de uma baixa competição permite o exercício de poder de monopólio, o que leva a uma diminuição da oferta de crédito e a um aumento dos juros. Os agentes econômicos passam a se comportar como se fossem mais "impacientes" ao admitir tomar crédito a juros mais altos diante da restrição que se lhes apresenta. Naturalmente os efeitos perversos dessa restrição de crédito atingem a poupança e, logo, o crescimento.

O Brasil, enquanto for um dos países emergentes com maior carga tributária, será também marcado por ser um país de juros elevados, baixa poupança e baixo crescimento. A carga tributária é a arqui-inimiga da economia brasileira. A baixa competição no mercado de crédito exacerba esta condição.

Vladimir K. Teles é professor de Economia da EESP/FGV

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