O programa habitacional do governo federal "Minha Casa, Minha Vida" - assim como qualquer investimento governamental em que a alocação de recursos segue um critério social - deverá ser mais eficaz para reduzir as desigualdades regionais do que para proporcionar crescimento.
Especializado em avaliar em modelos simuladores o impacto de políticas públicas a longo prazo, o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais (Cedeplar), órgão da Faculdade de Economia da UFMG, divulgou um estudo que avalia em 1,4% a queda do índice Gini de desigualdade regional entre Estados e em 0,515 ponto percentual o crescimento adicional do Produto Interno Bruto (PIB) com a primeira fase do programa, anunciada em 2009 e que envolveu recursos de R$ 34 bilhões para a construção de 1 milhão de moradias. Uma segunda fase foi anunciada em 2010, dobrando os montantes envolvidos e a meta de novas casas, mas não chegou a entrar na análise.
O trabalho, tese de dissertação do engenheiro paulista Julio Shimizu, coordenada pelo professor de Modelos Aplicados do Cedeplar Edson Paulo Domingues, mostra que se o programa não tivesse a redução das desigualdades como meta, o impacto adicional no PIB poderia ser 11% superior, atingindo 0,57 ponto percentual. Mas a distribuição dos recursos de acordo com o déficit habitacional proporcional, e não absoluto, faz com que os maiores impactos sejam sentidos em Estados de pouca expressão econômica, como Maranhão, Piauí, Ceará, Tocantins e Pará, reduzindo o efeito sobre o PIB nacional. "Essa será sempre uma escolha que o administrador público terá que fazer: o maior crescimento econômico ou a maior equidade", disse Shimizu.
Segundo o estudo, o impacto adicional no PIB estadual pode chegar a 4,45 pontos percentuais no Maranhão, Estado que receberá 7,28% das moradias incluídas na primeira fase, mesmo tendo 3,32% da população nacional e representando 0,88% do PIB nacional. Mas será de apenas 0,08 ponto percentual no Rio de Janeiro, que corresponde a 12% do PIB. A conseqüência é a queda do índice Gini entre os 27 Estados de 0,282 para 0,278.
A assimetria dos efeitos do programa também atinge o consumo das famílias. Na maioria dos Estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste o consumo familiar vai cair ligeiramente em decorrência do programa. A maior queda estimada acontecerá no Distrito Federal, com um recuo de 0,4 ponto percentual. A razão principal é que Brasília será a unidade da federação que menos deverá se beneficiar da redução de aluguéis em função do programa. O Distrito Federal pode ainda ser prejudicado pelo direcionamento de capital para as atividades ligadas ao programa. É possível que ocorra migração de mão de obra da cidade para outras regiões em que a iniciativa tenha maior dinamismo.
O estudo mostra que a migração de capital pode reduzir o nível de atividade de setores como transporte aéreo e as indústrias têxtil e de calçados, e impulsionar a construção civil, o comércio de materiais elétricos e o setor financeiro.
Shimizu aponta em sua tese de mestrado que é grande a diferença entre a avaliação dos impactos reais da primeira fase e a otimista previsão feita pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, há dois anos, quando o programa foi lançado. Mantega previu um crescimento adicional de dois pontos percentuais durante a realização do programa e a criação de 1,5 milhão de empregos. Shimizu calcula que a geração real de postos de trabalho deverá ser de 0,62 ponto percentual, o que significa 246 mil vagas a mais. Segundo Shimizu, uma avaliação que englobasse a segunda fase do programa poderia chegar a resultados proporcionais, ou seja: com o dobro de recursos, deve-se atingir o dobro de impacto no PIB e de redução da desigualdade regional, desde que a distribuição dos novos montantes seja a mesma da primeira versão do programa.
"A dicotomia entre crescimento econômico e redução de desigualdades existe em programas como esse, mas está longe de representar opções excludentes e o próprio Minha Casa, Minha Vida é uma prova disso, já que diminui as diferenças e acelera a economia, ainda que em dosagens diferentes", comenta o professor Edson Domingues. Segundo Domingues, um caso clássico de investimento público que deve aumentar as desigualdades regionais, e não diminuí-las, é o decorrente da exploração do pré-sal, em que haverá uma concentração de gastos no Rio, São Paulo, Espírito Santo e Santa Catarina, Estados que de relevância econômica.
"O pré-sal terá um impacto no PIB muito maior, mas ele não engloba os Estados mais pobres", disse. Domingues recorre a um passado distante para mencionar um programa que aparentemente desenvolveu as duas vertentes em igual medida: "A construção de Brasília reduziu as diferenças entre Estados e fomentou o crescimento econômico."