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BRASIL PODE CRESCER 4% EM 2012, COM INFLAÇÃO NA META

21.12.2011

O Brasil tem condições de encerrar 2012 com um crescimento na casa de 4% e uma inflação próxima do centro da meta perseguida pelo Banco Central, de 4,5%, diz o economista Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele traça um quadro otimista para a economia brasileira, a despeito da forte desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre e do cenário externo complicado. "A minha percepção é de que já batemos no fundo do poço no terceiro trimestre", diz Nakano. Para ele, há uma série de fatores que vão fazer com que a economia inicie um processo de recuperação, entre os quais estão: os juros mais baixos, a inflação em queda, que vai ajudar a preservar o poder de compra dos salários, o gordo aumento do salário mínimo e a política fiscal mais expansionista do que neste ano. Além disso, a indústria deve virar o ano com os estoques ajustados, contando também com um câmbio menos apreciado. Para completar, os estímulos fiscais anunciados recentemente, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para eletrodomésticos da linha branca, também devem ajudar um pouco, embora Nakano veja com reserva a adoção dessas medidas, preferindo que o estímulo seja feito por reduções mais fortes dos juros. No futuro vamos caminhar para maior controle do fluxo de capital no mundo e câmbio administrado mais estável Ex-secretário da Fazenda paulista, Nakano faz elogios à orientação da política econômica no governo Dilma Rousseff. Vê avanços nas políticas monetária, fiscal e cambial, embora alguns "problemas fundamentais" ainda não tenham sido enfrentados, como o fato de o Banco Central remunerar operações de curto prazo pela mesma taxa dos títulos públicos e não haver um programa de redução, ao longo dos próximos anos, dos gastos correntes como proporção do PIB. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista. Valor: Como o sr. avalia o primeiro ano do governo Dilma Rousseff, em termos de política econômica? Yoshiaki Nakano: Não se resolveram algumas questões fundamentais, mas houve uma melhora em algumas áreas, como na política monetária. O BC está mais flexível, mais ágil e olhando mais para frente. Na verdade, o sistema de metas de inflação é o sistema de metas de previsão de inflação. A referência que você usa para comparar com a sua meta é a inflação futura, não a passada. Nós praticávamos um erro grosseiro que era olhar a inflação passada. Valor: Foi por isso que o sr. elogiou a decisão do Banco Central de reduzir os juros em agosto? Nakano: Esse é um dos motivos fundamentais, além do fato de que a economia estava desacelerando. Outra mudança é que eles ficaram muito mais sensíveis ao hiato do produto. Algumas gestões do BC no passado só olhavam para a inflação, mas não para o desemprego e para o hiato do produto. Hoje, o BC tem indicadores melhores do nível de atividade do que no passado, como o IBC-Br. Há também um uso de outros instrumentos, algo que se tornou generalizado em todo o mundo, como a adoção de medidas macroprudenciais [de restrição ao crédito]. Deixou de ser palavrão controlar crédito. Valor: E na politica fiscal? Nakano: Também houve avanço. A decisão do começo do ano de segurar as despesas foi acertada. E, quando a desaceleração da economia mostrou-se excessiva, o governo respondeu imediatamente. Se você tivesse juros civilizados, no máximo um quarto do praticado aqui, devolveria R$ 100 bilhões para as famílias Valor: O sr. se refere a esse estímulo tributário, de desoneração para bens de consumo? Nakano: Isso. Mas a minha preferência não era fazer política fiscal, e sim reduzir mais os juros do que foram reduzidos até agora. Seria particularmente importante acabar com essa maluquice que nós temos de o BC praticar nas operações de curto prazo a Selic, a mesma taxa dos títulos públicos. Esse é um avanço que não foi feito. É uma herança da época da inflação alta que precisa ser removida. Isso significa, entre outras coisas, desindexar o sistema financeiro, que está totalmente indexado à Selic. Na época da inflação alta, o BC passou a pagar no overnight, porque toda a dívida pública era rolada aí, a mesma taxa dos títulos públicos. Isso persiste, mesmo com a estabilização, anomalia que não existe em nenhum lugar do mundo. Esse sistema aprisiona toda a poupança no curtíssimo prazo. Há essa maluquice de ter R$ 450 bilhões a R$ 500 bilhões rolando no overnight e nas operações compromissadas, remuneradas a taxa Selic. Valor: Há um piso para os juros? Nakano: Sim. Acho que dificilmente chegam a 8%. Pode ser que cheguem a 7%, mas depois há um enorme problema, a começar pela poupança, que paga juro real de 6%. É preciso resolver essa questão. Valor: Nesse aspecto, o governo Dilma não avançou? Nakano: Nem se mexeu ainda. Acho que este momento, de forte desaceleração da economia e queda dos juros, poderia ser uma boa oportunidade para começar a se mexer, mapeando todas as implicações, para começar uma grande reforma do sistema monetário. Valor: Alguns economistas dizem que as medidas de desoneração tributária vão reduzir o espaço para o corte de juros. O sr. concorda? Nakano: Eu não concordo porque ainda é algo pequeno, mas, enfim, afetou as expectativas, embora eu acredite que elas voltem a ser o que eram antes. Tinha sido um avanço a promessa do ministro da Fazenda no Congresso de mudança no mix de política fiscal e monetária. Haveria uma política fiscal mais apertada, para poder flexibilizar mais a política monetária, reduzindo mais os juros. Valor: É melhor cortar os juros? Nakano: Estou absolutamente convencido disso. A política fiscal tinha que ser guardada para momentos de maior crise. E, em vez de relaxar as medidas macroprudenciais de crédito, seria melhor reduzir os juros. Os juros que o consumidor paga estão em torno de 45% ao ano. O montante que as famílias gastam com juros é próximo de R$ 130 bilhões. Se você tivesse juros civilizados, que seriam no máximo um quarto do praticado aqui, devolveria R$ 100 bilhões para as famílias. Também pode começar a relaxar os compulsórios, que são muito altos. Valor: Mas a Selic não tem pouco impacto para o consumidor final? Nakano: Aí cabe ao BC fazer valer os seus instrumentos, e os bancos públicos podem forçar uma competição maior. Se o custo de captação cai porque a Selic cai, é perfeitamente correto forçar os bancos a ter maior competição. Valor: O que o sr. acha do ritmo de redução dos juros, de 0,5 ponto percentual a cada reunião? Nakano: Acho que o BC está sendo conservador. Podia ser mais agressivo. Mas, como eu disse, há um piso. Talvez 8%, 7%, é difícil saber. De qualquer modo, ele poderia chegar a esse piso mais rápido. Valor: Neste ano o superávit primário subiu, mas em grande parte pelo aumento da receita. A despesa mais contida foi o investimento. O mix de política fiscal não foi ruim? Nakano: Essa é outra questão central. A poupança do governo é negativa. É necessário reduzir a despesa corrente em relação ao PIB ao longo dos próximos anos. O governo deveria fixar metas de redução ao longo do tempo, para aumentar a poupança pública e o investimento público. Mas, em relação ao passado recente, houve neste ano um controle muito maior do consumo do governo. Valor: O governo tem mostrado mais preocupação com o câmbio, adotando controles de capitais, mexendo no mercado de derivativos. O sr. gosta dessa postura mais ativa? Nakano: Eu gosto, e não é apenas o Brasil que está fazendo isso. No futuro nós vamos caminhar para um sistema de muito maior do controle do fluxo de capital no mundo inteiro e também de câmbio administrado mais estável. A instabilidade cambial é péssima para o crescimento. O câmbio hoje está melhor do que no passado. O mercado sabe, embora não haja algo definido, que há um piso. Valor: A ideia de que havia uma tendência inexorável de apreciação do real acabou? Nakano: Acho que sim. A tendência agora talvez seja de ter um câmbio menos apreciado. Os EUA estão monetizando a dívida pública, enquanto que a Europa vai ter que captar mais de US$ 10 trilhões para rolar as dívidas e financiar o déficit. Nós vamos entrar no próximo ano num mundo com menor liquidez e com menor mobilidade de capitais. O câmbio deve ficar mais depreciado. Para o Brasil, isso é uma boa notícia. O câmbio estava tão apreciado que as importações cresciam a uma velocidade que estava destruindo a indústria nacional, no sentido de o industrial virar cada vez mais importador. O componente importado aumentou muito. E muitos produtores de bens finais que não conseguiam concorrer viraram comerciantes, importando e ganhando às vezes mais, com menos trabalho. Valor: Um juro mais baixo e uma política fiscal mais apertada ajudam a ter um câmbio mais desvalorizado. O que mais é possível fazer? Nakano: É necessário controlar melhor o fluxo de capital. A entrada de capital especulativo não ajuda em nada o crescimento. Isso já foi mostrado por muitos economistas, inclusive diversos trabalhos feitos pelos economistas do FMI. Se algum tipo de capital do exterior ajuda, é o investimento estrangeiro direto, efetivo em ampliação das fábricas. Seria talvez muito melhor tributar todo tipo de capital e, nesse caso, devolver se houve efetivamente investimento no sentido de ampliação da capacidade produtiva. A matriz pode repassar dinheiro para a filial, aparecer como investimento, mas na verdade usar os recursos para outra coisa. Valor: Qual o câmbio adequado? Nakano: Eu não acho que seja necessária uma taxa de câmbio superdepreciada. É um pouco mais depreciado do que está hoje. É difícil dizer quanto, mas aí é chegar lá por tentativa e erro. Se você aprecia demais, barateia as importações de bens de capital, mas as importações entram com violência tal, como estava ocorrendo no começo do ano, com expansão de 40%, que destrói a indústria nacional. E tão importante quanto o nível é a estabilidade. Valor: Como o sr. analisa o comportamento da inflação? Nakano: Em outubro do ano passado, nós tivemos um choque de preços de commodities, e a inflação subiu. Ela vinha dentro da meta até setembro do ano passado. Depois, se você calcular a média entre outubro do ano passado e abril deste ano, ficou um pouco acima de 0,7%. Anualizado, isso dá mais de 9%. Em maio deste ano, os preços de commodities pararam de subir, algumas tiveram queda, e a inflação mudou de patamar. Se você calcular a média mensal anualizada de maio a novembro, dá algo perto de 4,5%. Na minha percepção, nós estamos mais ou menos dentro da meta. É lógico que janeiro é um mês problemático, mas acho que a inflação está convergindo para a meta no fim do ano que vem, se não houver nenhum choque, nenhum desastre. Valor: Então o quadro do BC, de convergência do IPCA para perto da meta no fim de 2012, é razoável? Nakano: Sim, embora sempre possa ocorrer algo inesperado. Uma quebra de safra, uma guerra lá fora que jogue os preços do petróleo para cima. Eu estou mais tranquilo com a inflação, embora não esteja nada satisfeito nem tranquilo com a meta de 4,5%, que é muito alta. Mas, para mexer nisso, é preciso desindexar a economia. Valor: E o crescimento em 2012? Alguns economistas dizem que o crescimento não vai chegar a 3%, por causa da baixa herança estatística (o carry over). Nakano: Acho que dá para chegar a 4%. A minha percepção é de que nós já batemos no fundo do poço no terceiro trimestre, e há uma série de fatores que vão fazer com que a economia inicie um processo de recuperação. Valor: Quais são esses fatores? Nakano: O primeiro é a queda na inflação. Quando ela foi para o patamar de 9%, corroeu o poder aquisitivo dos salários. Agora, com a queda para a casa de 4,5%, esse efeito vai desaparecer. Outra coisa é que o aumento do salário mínimo, que seria uma maldição, virou uma bênção. Com a economia em forte desaceleração, não haverá grandes repercussões do ponto de vista inflacionário. É uma injeção significativa de recursos que vai ocorrer, de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões. Parte desses recursos está embutida no orçamento federal, que vai ser um pouco mais expansionista do que neste ano. Outro fator são essas medidas que o governo está tomando, as desonerações tributárias, que deverão ter efeito positivo. Além disso, há os juros mais baixos. Valor: O câmbio um pouco mais depreciado ajuda? Nakano: O câmbio vai ser um pouco melhor, o que ajuda a indústria. A questão dos estoques também vai ajudar. Como a desaceleração foi muito forte e talvez tenha sido inesperada, os estoques subiram. Quando isso ocorre, você corta a produção abaixo da demanda, para reduzi-los. Ao chegar ao nível desejado, volta-se a ajustar a produção ao nível da demanda. As empresas desaceleraram muito a produção. A minha percepção é de que os estoques estarão no nível desejado na virada do ano. Valor: A crise externa pesou no terceiro trimestre, contribuindo para a desaceleração? Nakano: Já. Os investimentos desaceleram muito. Houve impacto da incerteza lá fora. Valor: O que pode ajudar o investimento em 2012? Nakano: A redução dos juros, e o fato de que, quando a economia começa a se recuperar, os investimentos vêm atrás. O câmbio deve ajudar um pouquinho, embora a esse câmbio boa parte da indústria ainda não seja competitiva. Valor: O governo faz bem em estimular o consumo ou o sr. preferiria que ele estimulasse o investimento? Nakano: Tem que fazer as duas coisas. A primeira coisa importante é que a economia brasileira não vai crescer liderado pelas exportações. Nós já perdemos esse bonde, os chineses e os asiáticos já ocuparam esse espaço. Inevitavelmente, a economia brasileira vai ser comandada pelo crescimento do consumo. O investimento tem que vir atrás, crescendo em certos momentos mais do que o consumo. Mas eu estou convencido de que o dinamismo da economia brasileira virá do consumo doméstico, e aí nós temos um grande trunfo. Com o esgotamento da oferta de trabalho, não vou dizer que se chegou ao pleno emprego, mas já há escassez de mão de obra. Isso é um fenômeno demográfico, que criou uma nova dinâmica, um círculo virtuoso na economia brasileira. Não apenas expande o mercado, mas redistribui a renda. Você impacta com mais força os segmentos em que os jovens procuram o primeiro emprego, na base. Como nós estávamos muito defasados tecnologicamente, há um enorme espaço para aumentar a produtividade. Valor: Não há um efeito colateral de a mão de obra ficar muito cara? Nakano: Tem, mas por causa do câmbio. Se for mantida aquela tendência de apreciação, nós vamos virar Grécia, Espanha. Quando aprecia o câmbio, privilegia-se o segmento de non tradables, aquele setor que não está inserido no mercado global. Nos serviços, o espaço para aumentar a produtividade é muito menor. O aumento de produtividade para mexer com a economia vem da indústria. Valor: O sr. traçou um quadro razoavelmente positivo para o Brasil, apostando que o país pode chegar a um crescimento de 4% no ano que vem. O sr. não está subestimando o impacto do cenário externo? Nakano: É lógico que se houver uma catástrofe total, um colapso do sistema financeiro, vai ter efeito. Mas, na minha percepção, essa crise na verdade vai beneficiar fortemente o Brasil nas próximas duas décadas. Valor: Por quê? Nakano: Primeiro, porque o Brasil tem essa dinâmica de expansão do mercado doméstico. Nós montamos aqui, pela primeira vez, uma estrutura produtiva em que a própria operação gera efeitos dinâmicos do lado da demanda. Nós não precisamos crescer para fora, e a estagnação dos países desenvolvidos vai significar crescimento menor do comércio internacional. O segundo fator que pode gerar um choque positivo na economia brasileira é que, com a crise na Europa e nos EUA, nós já começamos a ter uma imigração significativa de mão de obra qualificada. Quando você olha quem está chegando, são engenheiros, um pessoal qualificado. Isso ajuda a aumentar a produtividade. E há uma crise do império americano, da hegemonia americana. Até a hegemonia chinesa ascender, vai levar um tempo. Nós vivemos um interregno em que o Brasil terá um espaço maior de autonomia. Poderemos pensar com a própria cabeça, olhando para o potencial interno. Isso ajudou a desenvolver o Brasil no passado, quando houve o fim do império britânico e ascensão americana. Nós deslanchamos com a industrialização. Isso me deixa otimista. Valor: E uma desaceleração forte da China, está no seu radar? Nakano: Eles vão desacelerar, sem dúvida, mas não tão fortemente ou ter crise. Se a China crescer algo como 8%, que é o mínimo que eles acham que devem crescer, não vai haver grandes problemas, como queda de preços de commodities. Eles têm instrumentos para evitar uma desaceleração forte.

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